sexta-feira, abril 04, 2014

MARGARIDA



Meus sentimentos a família Gaseta, “perna fina e bunda seca”.


Há 7 meses fomos surpreendidos com uma triste notícia sobre o estado de saúde da nossa vó Margarida. Estávamos até acostumados com “tantas surpresas”sobre o estado de saúde da véia, que odiava médico e hospital mas estava sempre querendo voltar para lá. Desta vez entendemos que era a última supresa e que o estado era irreversível. Daí a notícia tão triste: a certeza do fim próximo, a doença, a dor e a perda gradual de vida. Mas também um privilégio quase egoísta que tivemos: muito tempo para nos despedir, refletir e dizer o quanto ela é importante para nós. Oportunidade de fazer e cuidar para retribuir um pouco do que recebemos e se for o caso recuperar algum tempo perdido.


Apesar de soar como algo ruim, é com alívio que recebemos a notícia que a vó esta livre deste corpo doente. De uma vida que não era dela mais há algum tempo. Vocês conhecem a Margarida melhor do que eu, sabem bem que a véia é “não é fácil não” e que tem pavor de qualquer coisa que exige muita (ou pouca) manutenção ou “dá trabalho pros outros”. Sempre quis viver simples e quase tosca, sem que “ninguém enchesse o saco”. Usar a mesma camiseta e bermuda, o uniforme, todos os dias até que alguém esconda e jogue fora – mesmo tendo a gaveta forrada de opções de blusas que ganhou no aniverário, natal, etc. Sempre com a mania de esconder que estava passando mal “para não preocupar os outros” – como se isso fosse não preocupar mais. Comprando tudo do mais barato “porque é a mesma bosta”. Fazendo café e comprando pão, porque isso cura quase todos os males deste mundo. "Tem café" ou "Quer que faz café?".  Pra vó, comida significa: arroz, feijão, ovo e salada de tomate – “nada de frescura”. Na geladeira só margarina, águ e ovo, mas a gente insiste em abrir a cada 5 min. pra ver se tem algo novo. "Se eu ganhasse 1 real cada vez que vcs abrissem a geladeira, eu tava rica". Sapato é moleca, sempre foi. Preto. Não varia nem a cor. Não vai na missa “porque a turma fica olhando e comentando”. Enquanto podia andar, nunca pedia e não gostava de pegar carona. Não usa o cinto "porque aperta". Nem camiseta de gola, porque "sufoca". Não tenho nenhuma lembrança dela fazendo corpo mole, acho que se falasse isso para ela seria uma ofensa muito grande. E não para queita! Se não tinha mais nada pra fazer ou para limpar, rabiscava todo papel que tinha na frente. E se dooooa. Ela gosta muito de se doar, mas odeia receber cuidados e favores. Por isso, estes últimos meses da vida dela devem ter sido sofridos demais e não é “só” pela dor física que ela estava sentindo. Ela devia estar “brava que nem bixo” com esta condição. Ela não trabalhou tudo que trabalhou nesta vida e não passou por tudo que teve que passar para ficar deitada, imponente, contando os ‘dias extras’. Não é a gente que vai ser egoísta querendo que ela ficasse mais tempo, vivendo deste jeito que ela não merece.

Se não é por dias como estes últimos que a gente queria ela mais tempo com a gente, são por todos os outros! Cada um com suas lembranças em particular. Mas, como despedida, eu queria dizer porque eu vou lembrar da vó saudosamente: Primeiro porque ela era muito engraçada na sua sinceridade, e falava palavrão. “E ai vó, como estão as coisas?”; “A mesma bosta de sempre”. 

Acho que durante estes anos ela me chamou mais de “viadinha” do que de “Gabi”. Aliás, “Sua viadinha, sumida, esqueceu que tem vó?!!” eu traduzia como “Entra, senta e fica a vontade. Estava com saudades!!”. 

Não lembro se ela era homofóbica, mas chamava a mim e a todo mundo de “sua bixa”. Mas também falava isso “das bixa do estomago”. Falando em preconceito, porque o ser humano não é perfeito – mas estas imperfeições dão uma graça especial, até hoje eu racho de rir quando lembro que eu provocava e falava para ela que ela era racista e ela dizia: “Não sou racista! ...Eu até tenho uma amiga preta!”. E quando esta amiga vinha visitar ela ela falava pra mim “A minha amiga preta veio aqui hoje”. Hahahaha... Até hoje eu não sei o nome da “amiga preta”!

Sei que ela não fazia por mal. Mas era engraçado. Mas ela não era racista, ela não tinha um grupo de pessoas que ela não gostava. A verdade é que ela não gostava de ninguém mesmo! Rs... Ninguém que não fosse seus filhos e netos. Todo mundo na TV era feio e ninguém prestava. “Você acha este rapaz bonito? Eu acho ele feio”. “Bonito são meus neto”. Sorte dos “fio e neto” que tinha alguém que acreditava que eles eram mais bonitos que a Gisele Bundchen ou que o Gianecchini. Orgulho dos filhos, trabalhores. Orgulho de quando eram pequenos também “e os vizinhos não tinham o que falar deles”, “não saiam do portão pra dentro”. “Não brigavam”. “Tudo estudioso, inteligente e que não dava nenhum trabalho”. Orgulho do Zé, que dava trabalho mas que era inteligente e safado e “pulava a janela e se escondia debaixo da cama para não ir na escola”. Sempre vamos lembrar desta e de outras histórias. Do pudim pro Dinho. Das birras de irmã com a tia Angelina. Vamos lembrar até da tradição nobre Italiana que a vó ajudou a trazer, mesmo nunca tendo pisado na Itália. “Má quê Prégo!”

Odiava as “porcaria dessas novela”, mas assistia todas, xingando e torcendo pros personagens. Odiava filmes dramáticos “eu não gosto destas coisas melosas, de nhé nhé nhé. Eu gosto de filme de ação, de umas porradas”. Aliás, ela acabava com meu sonho de ter um avô numa destas frases transgressoras dela: “Vó, e ai? Não vai arrrumar um vozinho pra gente?” – “Eu não, credo!!!”. “Véio se agarrando!?”. “Eu lá quero saber de véio? Quero é saber dos meus netos”. Eu consigo reproduzir todos estes diálogos porque eles aconteceram repetidas vezes... Muitas vezes! Mas nada aparece tanto em todos discursos da vó quanto “os vizinhos”. Aliás, é a coisa que mais me lembra a vó. Ela vivia como se “Eles” (quem?) fossem onipresentes e oniscientes. Tudo era permitido ou negado baseado no que ela achava que os vizinhos diriam...

Lembrando disso tudo dá pra dizer que ela cumpriu com louvor sua tarefa de vó! E ainda conseguiu chegar e curtir um tempo como bisa! Diga-se de passagem, de um bisnetinho que é a coisa mais linda que este mundo já viu. Dá pra reclamar desta vida de tantos filhos e netaiada?! Para quem não ligava para o luxo, ela tinha tudo o que queria.

"Ó, vou te falar pro cê...", quando eu ficar velha vou fazer bastante coisa parecida: vou chamar meus netos de viadinhos, de bixa, vou teimar com tudo que eu puder – porque véio pode tudo; vou ser independente e não vou querer ninguém enchendo meu saco... E vou falar umas palavras em italiano só para ter mais estilo. Quando os netos desembestarem de falar tudo ao mesmo tempo eu vou gritar “Owww netos de tecelão!”, para manter a tradição de Americana, porque: "Quem tem dente chupa cana, quem não tem come banana". E vou roubar a gordura da picanha em todos churrascos falando que “é a melhor parte, seus trouxas”. De diferente, eu não vou dar bronca nos filhos e netos que bebem cerveja, vou ser mais o estilo tia angelina e além de beber, vou contar as histórias das 'véias bêbadas na praia'. Também não vou virar wisky escondida no buffet dizendo que “achei que era coca-cola” e quase parar no hospital por isso. AH! Vou fazer de tudo para não mimar meu primeiro neto e nunca tratá-lo como principe, porque todo mundo viu no desastre que isso deu! Rs...

Que a gente não perca estas e muitas outras memórias... Afinal, em memória da vó a gente vai sempre lembrar que precisamos manter a família unida. Não somente porque este era o maior desejo dela. Mas também porque só nossa família vai lembrar da gente assim, do jeito que a gente é, e com MUITO amor. Amor sincero, simples e quase tosco – mas MUITO real.

Vó Margarida, obrigada por me dar um significado bonito e carregado para a palavra .

Descansa em paz. A gente te ama!

...E “os vizinho” só dizem coisas boas de você... =]
E "a turma" tá triste em dizer adeus.

Um comentário:

Carol. disse...

Em todos os diálogos eu ouvi a voz da vó...
Ficou lindo, Gabi! A vó vai amar e vai rir muito!